
Por Lafayette de Andrada* — A Câmara dos Deputados deu início à tramitação do tão necessário Projeto de Lei 2.338/2023, já aprovado no Senado, que regulamenta o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial no Brasil. O tema é estratégico e urgente, pois impacta a economia, a geração de empregos, a renda das famílias e, principalmente, a proteção dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a propriedade intelectual. A regulamentação da IA é uma medida de soberania nacional e um ato de justiça social.
Legislar sobre a IA é ainda mais desafiador do que tratar de outras tecnologias, justamente porque ela avança de forma exponencial. Desde o lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022, testemunhamos uma revolução na forma de produzir conteúdos, tomar decisões, aprender, criar e até interagir com o mundo.
A China acaba de apresentar, por exemplo, um modelo chamado Absolute Zero Reasoner, capaz de aprender sem nenhum dado de treinamento. O código foi aberto ao público, e a comunidade científica internacional corre para entender a magnitude da descoberta. Isso nos obriga a refletir: como legislar sobre algo que se transforma profundamente a cada trimestre?
O mundo todo tenta encontrar esse equilíbrio. A União Europeia saiu na frente, mas seu modelo regulatório (o AI Act) enfrenta críticas de diversos setores, inclusive, pelo excesso de burocracia, pela insegurança jurídica causada por conceitos vagos e pelo risco de sufocar a inovação, especialmente entre startups. O Brasil deve aprender com essas experiências e evitar repetir os erros alheios.
O texto que recebemos do Senado resulta de um trabalho dedicado, iniciado em 2022 com uma comissão de juristas. No entanto, sofreu centenas de alterações ao longo do processo. Esse volume de modificações acabou comprometendo a coesão do projeto, criando sobreposições, lacunas e, em alguns pontos, adotando definições já superadas pela realidade tecnológica.
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A Câmara precisará, portanto, aperfeiçoar o texto, acelerando sua tramitação sem comprometer a qualidade técnica. Um o essencial será estabelecer uma definição precisa do conceito legal de IA. Essa definição deve ser clara, flexível e segura — tanto jurídica quanto tecnologicamente. Conceitos excessivamente genéricos causam insegurança; conceitos técnicos demais envelhecem rápido; e definições estreitas podem deixar de fora tecnologias que representam riscos reais para a sociedade.
É imprescindível, ainda, que a construção do marco legal envolva um planejamento sério de participação pública. A tecnologia não pode ser regulada em gabinetes isolados — ela deve ser discutida com e para as pessoas.
Internacionalmente, o Brasil já assumiu compromissos relevantes. Esses documentos devem orientar — mas não engessar — a construção de um modelo próprio, adequado às nossas realidades e potencialidades.
Temos a chance de ser protagonistas entre os países em desenvolvimento, de criar uma lei que não apenas previna abusos, mas também estimule o desenvolvimento de soluções éticas, seguras e íveis. Soluções que melhorem a vida das pessoas, promovam inclusão digital e econômica, gerem empregos e fortaleçam o papel do Brasil como referência ética no uso da tecnologia.
O momento exige coragem, equilíbrio e escuta. A regulação da IA não pode ser adiada — mas também não pode ser improvisada. A Câmara e sua Comissão Especial de Direito Digital têm diante de si a oportunidade de fazer história. O resultado desse trabalho será um legado duradouro, se harmonizar proteção e progresso, direitos e desenvolvimento, liberdade e responsabilidade.
Deputado federal, presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados, relator da Comissão Especial sobre direito digital e integrante da Comissão que analisa o PL 2338/2023 (Regulamentação da IA)*
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