
Maurício Antônio Lopes — pesquisador da Embrapa Agroenergia
O método científico está entre as maiores invenções da humanidade. Foi ele que nos ensinou a observar, formular hipóteses, testar ideias com rigor e tirar conclusões baseadas em evidências. Graças a esse método, desenvolvemos vacinas, computadores, satélites e ampliamos radicalmente nossa compreensão do mundo. Ao longo dos séculos, esse modo de pensar transformou a ciência em uma poderosa força de inovação e progresso. Mas agora algo está mudando — e rapidamente.
Tradicionalmente, a ciência começa com uma ideia ou uma suspeita sobre como o mundo funciona. O pesquisador observa um fenômeno, formula uma hipótese e realiza experimentos ou coleta dados para testá-la. Se os resultados confirmam a hipótese, ela ganha força; caso contrário, é descartada ou reformulada. Esse processo — baseado em dedução, teste e validação — foi o alicerce da ciência por séculos. É uma abordagem cuidadosa, o a o, que valoriza tanto a explicação quanto a descoberta.
Em 2008, o jornalista Chris Anderson publicou um artigo provocador na revista americana Wired, intitulado O fim da teoria. Nele, argumentava que, com o crescimento explosivo dos dados e o avanço da capacidade computacional, a ciência não precisaria mais de hipóteses ou modelos explicativos. Bastaria analisar grandes volumes de dados, identificar padrões e prever comportamentos. Para Anderson, a correlação poderia substituir a causalidade — e o próprio método científico estaria se tornando obsoleto.
A tese de Anderson gerou muita polêmica. Cientistas de diversas áreas reagiram com força, argumentando que dados sem teoria não fazem sentido, e que a ciência precisa de explicações, não apenas de previsões. Na prática, a ideia de que o método científico poderia ser descartado foi vista como exagerada, até ingênua. Com o tempo, o artigo foi esquecido, classificado como uma provocação interessante, mas distante da realidade da pesquisa científica.
No entanto, talvez seja hora de revisitar aquela provocação. Com o avanço acelerado da inteligência artificial e o fortalecimento da ciência orientada por dados, parte do que Anderson antecipou começa a se concretizar. Algoritmos já conseguem analisar volumes massivos de dados, identificar padrões e fazer previsões — tudo isso sem a necessidade de hipóteses formuladas por humanos. Isso não torna o método científico obsoleto, mas exige uma reavaliação crítica de seus processos, premissas e da própria função do cientista em um novo ecossistema de produção do conhecimento.
Nesse novo cenário, o papel do cientista se expande significativamente. Em vez de se limitar à formulação de hipóteses e execução de experimentos, ele poderá assumir funções mais estratégicas — como a curadoria de dados, a mediação entre disciplinas e a interpretação de resultados produzidos por sistemas inteligentes. Para isso, será necessário desenvolver novas competências: compreender o funcionamento dos algoritmos, formular boas perguntas e manter o rigor na validação dos resultados.
Uma das limitações históricas da ciência — a tendência de estudar os problemas em partes isoladas — talvez também possa ser superada nesse novo contexto. Ao lidar com grandes volumes de dados e contar com sistemas capazes de cruzar variáveis de diferentes naturezas, amos a ter condições reais de explorar nexos complexos entre alimento, nutrição e saúde, ou energia, agricultura e clima, entre outros. Em vez de fragmentar os problemas, podemos começar a enxergá-los em sua totalidade. Isso estimula uma visão mais sistêmica do mundo e favorece respostas mais integradas, com potencial para gerar soluções inovadoras e mais conectadas com a realidade.
Se esse novo modelo se consolidar, as implicações para os processos e estruturas da ciência podem ser profundas. A pesquisa científica sempre exigiu grandes investimentos em infraestrutura: laboratórios sofisticados, equipamentos caros, equipes especializadas. Mas, com a ampliação das capacidades analíticas e preditivas da inteligência artificial, parte desse esforço poderá ser racionalizado. Simulações, modelagens e análises automatizadas poderão antecipar resultados, reduzir a necessidade de experimentos físicos e acelerar descobertas. Isso não significa que os laboratórios vão desaparecer, mas que a ciência poderá se tornar mais leve, distribuída e, em alguns casos, menos dependente de estruturas complexas e onerosas.
Há sinais claros de que a ciência do futuro será mais sistêmica, voltada para a compreensão de problemas complexos que exigem conexões entre saberes, setores e tecnologias. Isso trará novos desafios aos cientistas, que precisarão atuar menos como especialistas isolados e mais como curadores de vastos acervos de dados e animadores de processos colaborativos entre humanos e máquinas. O maior desafio não será apenas dominar ferramentas, mas aprender a navegar a complexidade, fazer as perguntas certas e manter o compromisso com o bem comum em um mundo em constante transformação.
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