
Junho é conhecido como o mês do orgulho LGBTQIAP+, sendo o dia 28 a data comemorativa mundial da comunidade. Para além da celebração e memes do chamado “mês gay” nas redes sociais, este período representa resistência e deriva de um confronto político que pedia por direitos civis: a Rebelião de Stonewall.
Em 28 de junho de 1969, protestantes defendiam o clube gay Stonewall, em Nova York (EUA), época em que leis contra homossexuais no país eram rígidas e colocavam em risco aqueles que demonstravam afeto em público. Foi instituída uma regulamentação estadual de proibição do consumo de bebidas alcoólicas aos homossexuais. Em resposta, o Stonewall Inn foi fundado.
As batidas policiais eram comuns no estabelecimento, mas uma investida surpresa resultou em um levante de dias em defesa dos direitos da população LGBTQIA+. Na última invasão ao clube, os policiais pretendiam destruir o bar, acusar os proprietários de infrações e até tentaram prender pessoas pela homossexualidade – o que culminou nos manifestantes atirando objetos contra os agentes de segurança.
Cerca de 2 mil pessoas reuniram-se em frente ao bar, bloqueando a Rua Christopher, onde gritavam por liberdade e direitos. Por algumas semanas, os manifestantes voltavam ao local para continuar a eata. Diversas pessoas foram presas durante as ações, quando as autoridades não pouparam atos de violência.
Em 1970, milhares de pessoas retornaram à Rua Christopher para a primeira marcha da libertação. Era o início do evento anual que atualmente é chamado de Parada Gay. Segundo Lucas Brito, mestre em Política Social, pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Diversidade Sexual e de Gênero da UnB (NEDIG/CEAM/UnB) e professor da disciplina Pensamento LGBT Brasileiro (UnB), junho lembra de tudo que a comunidade conquistou nas últimas décadas “por meio da luta, da auto-organização política e LGBTI+, da nossa capacidade de resistir e (re)existir, e da coragem de sermos exatamente o que somos”.
Embora a Revolta de Stonewall tenha impactado significativamente o movimento, o especialista destaca que, na América Latina de 1950 e 1960, já existiam movimentos organizados e politizados da comunidade LGBTQIA+ – mesmo que ainda s a pequenos círculos de sociabilidade.
O professor compreende o Junho do Orgulho como parte de um conjunto de lutas e demandas da sociedade – que se expressaram econômica e socialmente, politicamente, racialmente, culturalmente e também sexualmente. Na década de 1960 também ocorreram as lutas de libertação em África; a 2ª onda do feminismo; as revoluções socioeconômicas pós-Segunda Guerra Mundial; e o famoso Festival de Woodstock, nos EUA, um símbolo para o movimento de contracultura dos países do Ocidente.
“Em 1969, o mercado da moda também recebeu o 'terninho' de Yves Saint Laurent, criado para vestir mulheres com trajes típicos da masculinidade. É o mesmo ano do lançamento do disco Mutantes, compondo o movimento da Tropicália, que se colocava em posição crítica aos padrões socioculturais da época. O ano é também o ano de lançamento do filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, dirigido por Glauber Rocha, líder do Cinema Novo, o movimento cinematográfico brasileiro marcado pela crítica às desigualdades sociais”, acrescenta.
Para Lucas, o orgulho é um ato político, fruto da capacidade de torcer a realidade e extrair, mesmo em situações muito difíceis, possibilidades de (re)existência. “Em junho de 1969, nos EUA, apenas em um estado não era proibida a homossexualidade, em Illinois. Nessa época, 70% da humanidade vivia em países em que a homossoxualidade era crime. Diante disso, ao invés de fazermos manifestações clássicas ou até mesmo sisudas, o movimento se desenvolve por meio do orgulho, do brilho, do deboche, do amor. O ato político mudou a cara do século XX e, de certo modo, pintou muitas das cores desse nascente século XXI”, comemora.
“O nosso orgulho nasce da vergonha. Mas não uma vergonha que tínhamos de nós, mas uma vergonha que a sociedade tem dela própria, dos seus próprios desejos e das suas potencialidades – muitas vezes por medo – e projetam em nós”, reflete o professor. Lucas descreve o orgulho como a capacidade de romper com as expectativas dos outros – com respeito, mas sem medo.
Em uma análise da comunidade que foge da ação daqueles a perseguem, o especialista opina que Stonewall se difere pela coragem de subverter aquele cenário. “A grande mudança provocada pelas décadas de luta que sucederam a revolta é a afirmação de espaços – bares, bairros, ruas, festas, bares – como da comunidade. Mas que ainda eram guetos, espaços segregados, limitados”, discorre. “Hoje, a ocupação do espaço público ainda é um desafio, ainda há muita violência, mas temos conseguido transitar e transformar a espacialidade urbana de forma mais ampla. Estamos em todos os lugares.”
Em tempos de expansão do conservadorismo, Lucas opina que, a cada ano que a, é ainda mais importante celebrar e se alimentar da memória de Stonewall – já que acredita que nenhum direito está plenamente conquistado e nenhum retrocesso é totalmente impossível. “Junho é, acima de tudo, uma lição para nós, com múltiplos ensinamentos. É por meio da luta que é possível conquistar direitos. Só por meio da mobilização é possível arrancar alegria ao futuro”, finaliza.
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