VERIFICAÇÃO

Banco do Brasil responde a processo de direito do consumidor, não por fraude

Instituição financeira foi processada por suposta prática ilícita na concessão de crédito

O Banco do Brasil respondeu a uma ação civil pública cujos valores chegavam a R$ 841 bilhões, mas isso não significa que a instituição financeira tenha um rombo ou esteja envolvida em um esquema de corrupção desta monta -  (crédito: Reprodução/Comprova)
O Banco do Brasil respondeu a uma ação civil pública cujos valores chegavam a R$ 841 bilhões, mas isso não significa que a instituição financeira tenha um rombo ou esteja envolvida em um esquema de corrupção desta monta - (crédito: Reprodução/Comprova)

Investigado por: UOL e Correio Braziliense. 

Verificação: Instituição financeira foi processada por suposta prática ilícita na concessão de crédito.

Banco do Brasil respondeu a uma ação civil pública cujos valores chegavam a R$ 841 bilhões, mas isso não significa que a instituição financeira tenha um rombo ou esteja envolvida em um esquema de corrupção desta monta. Essas alegações estão em um post publicado no X, que cita um “escândalo” que seria o “maior da história bancária mundial”. O post ainda compara o caso às fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), dando a entender erroneamente que o Banco do Brasil está sendo acusado de um esquema de desvios de dinheiro.

Não há evidências de esquema de corrupção envolvendo o BB ou investigação de fraudes, como no caso do INSS. O caso em questão diz respeito a um processo nas esferas cível e trabalhista movido pela Associação Brasileira de Defesa do Agronegócio (ABDAgro), sem relação com a istração pública federal, estadual ou municipal.

A ação civil pública alega que o Banco do Brasil teria, durante décadas, promovido uma prática irregular na concessão de empréstimos, conhecida como venda casada. Essa prática, tipificada como abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor, consiste em “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. O valor da causa, que soma restituição do prejuízo e indenizações por danos morais, chega a R$ 841 bilhões.

No caso da ação, a ABDAgro afirma que o banco teria induzido produtores rurais a adquirir produtos como seguros, títulos de capitalização, consórcios e previdência privada para a aquisição do crédito rural. Segundo o levantamento da associação, a instituição concedeu R$ 1,5 trilhão em crédito rural nos últimos anos, dos quais R$ 176,5 bilhões teriam sido “desviados ilegalmente para a compra compulsória desses produtos financeiros”.

Post está em perfil crítico ao governo Lula

O perfil do autor conta com mais de 58 mil seguidores com postagens recorrentes contendo críticas ao governo Lula (PT) e em defesa da direita bolsonarista. Até a data da publicação, o post investigado tinha 72 mil visualizações, 4 mil curtidas e 2 mil compartilhamentos. O responsável pela publicação foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta verificação.

Alarmismo e imagem semelhante a notícia real podem levar a engano

O post se vale de uma linguagem alarmista, para gerar uma resposta emocional no público. Essa é uma estratégia comum de desinformadores: o objetivo é fazer com que o usuário compartilhe a postagem por impulso, sem pensar se ela está correta factualmente. Exemplos da linguagem alarmista são as palavras “escândalo” e o número de “R$ 841 bilhões” em tamanho grande.

Além disso, a imagem foi elaborada com elementos visuais que simulam uma notícia real, com fundo azul, letras grandes e um selo que tenta ar credibilidade, como se viesse de um veículo de imprensa.

Outro fator que colabora para a desinformação é o fato de assuntos econômicos estarem com frequência no noticiário, como as fraudes no INSS e as mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A tentativa de quem compartilha esses conteúdos é tentar associá-los ao que já está sendo noticiado pela imprensa. A falta de uma fonte clara, de dados oficiais ou de um link para uma reportagem não impede que isso se espalhe, porque a comoção pode motivar o compartilhamento.

O que é venda casada

Estabelecida como ilícita pelo Código de Defesa do Consumidor, essa prática acontece quando a empresa condiciona a aquisição do produto ou serviço pretendido à compra de outro. Um exemplo seria quando o cliente tenta pegar um financiamento para comprar uma casa, mas, para isso, o banco faz com que ele adquira um seguro.

A venda casada acontece de forma direta ou indireta, explica a advogada Elaine Keller, especialista em direito civil. “Na venda casada indireta, ele faz uma pressão dissimulada sobre esse cliente, ele impõe a condição de ‘eu aprovo seu crédito rural desde que você compre um pacote de serviços bancários’”, exemplifica.

Na direta, o consumidor é compelido a comprar outro item para adquirir o produto principal. Um exemplo citado pela especialista eram as caixas de achocolatado, que vinham em embalagem de três. “Eles foram obrigados a vender individualmente, porque você só queria comprar um, mas se via obrigada a comprar três”, comenta.

Segundo a advogada, a prática é comum nos bancos, mas acontece de forma indireta e velada.

A pena em caso de prática de venda casada, descrita na Lei nº 12.529/2011, é de multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do acusado, obtido no último exercício no ramo da atividade que ocorreu a infração. Ou seja, se o caso é o de um banco que concede empréstimos, a porcentagem é calculada sobre o valor que o banco faturou no ano fiscal anterior com esse tipo de produto. O valor não pode ser inferior à vantagem obtida pela empresa com a conduta ilegal, caso seja possível mensurar o valor.

Valores

O valor da ação movida pela ABDAgro é calculado em R$ 841 bilhões, sendo essa a soma de indenizações pelo prejuízo causado e por danos morais.

Para chegar ao valor, a Associação calculou o montante negociado em crédito rural nos últimos 10 anos. A partir disso, o levantamento calculou que pelo menos 10% das negociações tiveram venda casada — a porcentagem foi estimada levando em consideração os 2.500 associados da ABDAgro —, o que resulta em cerca de R$ 180 bilhões que teriam sido apropriados pelo banco com os produtos vendidos na prática irregular. O levantamento foi explicado em entrevista à Folha de S.Paulo.

A defesa da associação exige restituição do valor em dobro, ou seja, R$ 360 bilhões. Além da restituição, o processo requer R$ 150 bilhões em danos morais individuais, R$ 50 bilhões em danos morais coletivos, R$ 179 bilhões em danos sociais e R$ 70 bilhões por inversão da cláusula penal.

Tramitação

O caso tramita no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). As últimas atualizações aconteceram em maio deste ano, quando a turma julgadora rejeitou o pedido da ABDAgro. Segundo a decisão, não há “prova suficiente, em cognição sumária, da vulnerabilidade coletiva dos produtores rurais e da existência de política institucionalizada de venda casada”. O texto aponta ainda que o valor da causa gera risco de dano inverso ao Banco do Brasil.

A ABDAgro afirma que ainda deve recorrer da decisão.

Em nota, o Banco do Brasil afirmou que “respeita o Código de Defesa do Consumidor e nega, veementemente, a prática de venda casada”. A instituição reiterou a parceria com o agronegócio e ressaltou que a política de atendimento da empresa é pública.

Fontes que consultamos: Por meio de busca pelas palavras-chave, encontramos o texto original publicado pela ABDAgro. Em seguida, procuramos pelo caso no sistema Jusbrasil e encontramos o processo no site oficial do TJ-GO. Consultamos também o Banco do Brasil, além de especialista para explicar a prática da venda casada.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema:

O Projeto comprova mostrou que o presidente Lula não derrubou lei de combate a fraudes no INSS e que é falso que Janja tenha sido barrada em Moscou com mala de dinheiro proveniente de esquema de corrupção. O Estadão também mostrou que vídeo exagera perda de fundo de pensão do Banco do Brasil durante governo Lula.

Notas da comunidade:

A postagem no X não exibe notas da comunidade.

postado em 06/06/2025 18:47
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