
No auge da Operação Lava-Jato, dois juízes federais se destacaram pelo apelo midiático e pela mão pesada nas condenações de envolvidos em casos de corrupção. No Paraná, Sergio Moro. No Rio de Janeiro, Marcelo Bretas. O primeiro escapou de um processo de cassação de seu mandato na Justiça Eleitoral e manteve o cargo de senador. O segundo acaba de receber a pena máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) para casos de desvios de conduta: a aposentadoria compulsória.
A pena foi estabelecida por unanimidade pelos membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última terça-feira (03), com sustentação oral realizada pelo diretor-tesoureiro do Conselho Federal da OAB, Délio Lins e Silva Júnior. A decisão foi tomada de acordo com a reclamação disciplinar ajuizada pela OAB contra Bretas, que estava afastado desde fevereiro de 2023, após a abertura de três processos istrativos disciplinares (PADs) por desvio de conduta. Os conselheiros seguiram o voto do relator, José Rotondano — que é desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia.
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Em um dos processos, que partiu de uma representação da OAB, Marcelo Bretas foi acusado de ter negociado penas, orientado advogados e combinado estratégias com o Ministério Público. As alegações fazem parte de delação premiada do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, que defendeu vários réus da Lava-Jato no Rio.
Na sustentação oral, Délio Lins e Silva Júnior disse que Bretas foi um dos vários agentes que contribuíram para que a Lava-Jato perdesse força e credibilidade. "A operação Lava-Jato não surtiu os efeitos que a sociedade merecia por única e exclusiva vaidade e excesso de poder por aqueles que diretamente estavam envolvidos com ela", afirmou. "Tudo me parece um enredo, uma tragédia anunciada. Começa com uma combinação bombástica que mistura poder e vaidade. Quando a pessoa tem as duas coisas em si e não sabe lidar com elas, causa muitos problemas, não só a ela própria, mas principalmente à sociedade", acrescentou.
Bretas também é acusado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), de perseguição com motivação política, em conduta descrita como "incompatível com a imparcialidade", para favorecer o então candidato Wilson Witzel na eleição ao governo do Rio de janeiro, em 2018. A terceira reclamação foi aberta pelo então corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, sobre supostas irregularidades na prestação de serviços judiciais. Nas redes sociais, Paes comemorou o resultado do julgamento no CNJ: "Dia 3 de junho, exatos 2436 dias após um juiz interferir de forma ilegal e criminosa nas eleições do estado do Rio de Janeiro, a Justiça de fato finalmente foi feita".
O juiz Sergio Bretas foi o algoz do ex-governador do Rio Sergio Cabral, que chegou a ser condenado a mais de 400 anos de prisão. Ele ficou preso de novembro de 2016 a dezembro de 2022, quando obteve o direito de prisão domiciliar e hoje está em liberdade. Durante o período da Lava-Jato, Bretas determinou 806 medidas de buscas e apreensões, 70 prisões temporárias e 264 prisões preventivas. O Ministério Público Federal denunciou 887 pessoas, sendo que 183 foram condenadas, segundo dados divulgados pelo site Consultor Jurídico.
Durante o julgamento, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, disse que a punição de Bretas não é uma vingança do sistema contra quem combate a corrupção. "Todo o contexto faz parecer que havia um esquema extrajudicial armado em torno de produzir um determinado resultado de prejudicar pessoas e políticos", sustentou Barroso.
Sergio Moro reagiu à decisão do CNJ. "Faltaram provas para justificar a punição do juiz Marcelo Bretas pelo CNJ. Fiaram-se basicamente em delação de um advogado ressentido e investigado cuja homologação havia sido previamente rejeitada, por falta de provas de corroboração, pelo STJ e pelo TRF2, sucessivamente", afirmou Moro. "O próprio Ministério Público até reconheceu irregularidades menores (falta de prudência), mas defendeu sanções bem menores do que a aplicada. Era o máximo que seria justificável contra o juiz que prestou importante serviço ao Rio de Janeiro", acrescentou pelo X.
Com a penalidade, Bretas, 54 anos, continuará recebendo proventos proporcionais ao tempo de serviço. Ele ingressou na magistratura em 1997. Assíduo nas redes sociais, Bretas limitou-se a publicar uma imagem de um pássaro com a palavra: liberdade. E acrescentou: "Não tem preço". Ele também agradeceu o apoio de Moro: "Obrigado, prezado senador. Vivemos tempos estranhos... Mas com serenidade vamos expor essas injustiças que vêm sendo cometidas no Brasil".