
Aminoácido amplamente estudado pelo potencial terapêutico em doenças crônicas e por estar presente em bebidas energéticas, a taurina não parece ser um marcador confiável do envelhecimento em humanos e outros mamíferos. A conclusão é de um estudo publicado na revista Science, que investigou concentrações da substância em diferentes faixas etárias ao longo da vida adulta em humanos, primatas e camundongos.
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A pesquisa contraria a ideia, sugerida por estudos recentes, de que os níveis circulantes de taurina diminuem com a idade, e que a suplementação poderia retardar o envelhecimento. "Descobrimos que as concentrações de taurina no sangue aumentam ou se mantêm estáveis com a idade, ao invés de diminuírem, e que a variabilidade entre indivíduos é maior do que as mudanças associadas ao envelhecimento", explicou, em uma coletiva de imprensa online, Rafael de Cabo, pesquisador do Instituto Nacional de Envelhecimento dos EUA (Nia/Nih) e autor sênior do artigo.
A taurina é um aminoácido não essencial em humanos (ou seja, pode ser sintetizada pelo corpo), embora também seja obtida pela dieta. Embora não seja incorporada às proteínas, desempenha papéis importantes como antioxidante e modulador de cálcio, entre outros. A molécula é encontrada quase exclusivamente em alimentos de origem animal, especialmente frutos-do-mar e peixes, carnes vermelhas e aves ou ovos.
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Acompanhamento
Para entender o comportamento desse aminoácido com o avanço da idade, os cientistas realizaram análises longitudinais e transversais em mais de 700 adultos saudáveis de 26 a 100 anos, integrantes do estudo Baltimore Longitudinal Study of Aging (BLSA), além de populações em Maiorca (Espanha) e nos EUA. Também acompanharam macacos-rhesus por até três décadas e camundongos por quase dois anos — o que corresponde a uma vida inteira para esses animais.
De modo geral, os dados mostraram que a taurina aumentou com a idade em mulheres humanas e fêmeas de primatas e camundongos. Em homens e nos machos dos roedores, as mudanças foram discretas ou inexistentes. Em todos os casos, porém, a variação entre indivíduos de mesma idade foi mais acentuada do que a observada ao longo do tempo. "Essa alta variabilidade interpessoal limita o uso da taurina como um biomarcador de envelhecimento confiável", afirma o estudo.
Força
Os pesquisadores também testaram se os níveis de taurina estavam associados a indicadores de saúde, como desempenho muscular e peso corporal. Os resultados foram inconsistentes. Em alguns casos, como na força do joelho entre idosos do BLSA, houve associação positiva; em outros, como na capacidade de preensão manual em mulheres espanholas, a relação foi inversa. Já a massa corporal mostrou padrões ainda mais variados, mudando de acordo com idade, sexo e espécie.
"Essas descobertas sugerem que a taurina não reflete, de forma consistente, o estado funcional do organismo com o envelhecimento", diz Maria Emilia Fernandez, coautora principal da pesquisa, que também participou da coletiva online. Segundo os cientistas, isso não significa que a substância não tenha efeitos benéficos, mas que sua presença no sangue não é um bom indicador do envelhecimento.
Contexto
Estudos anteriores mostraram que a suplementação de taurina pode melhorar a saúde e até prolongar a vida útil em animais. Contudo, a nova pesquisa sugere que esses efeitos são contextuais — dependem de fatores como dieta, genética, ambiente e presença de doenças. "Não descartamos o potencial terapêutico da taurina, mas seu uso como marcador universal de envelhecimento não é sustentado pelos dados", ressalta De Cabo.
A médica nutróloga Andrea Pereira, cofundadora do canal Longevidade, lembra que há poucas evidências sobre os benefícios de suplementos à base do aminoácido. "Ainda não existe um consenso sobre a suplementação da taurina para pessoas com mais de 60 anos. Além disso, não há uma recomendação diária, porque não existem estudos suficientes que indiquem a necessidade de suplementação", ressalta. "Também há poucas evidências científicas para a indicação no uso para hipertensão, diabetes e cognição."
O artigo publicado na revista Science destaca, ainda, a importância de estudos longitudinais — que acompanham os mesmos indivíduos ao longo do tempo — para avaliar mudanças relacionadas à idade, em vez de pesquisas pontuais com diferentes pessoas de faixas etárias distintas. "Quando se trata de envelhecimento, o contexto importa", resume Fernandez.
Fatores individuais
O artigo foi publicado na revista Science para refutar resultados anteriores publicados na mesma revista, que pareciam indicar que os níveis de taurina diminuem com o envelhecimento. Foi sugerida antes a possibilidade de usar os níveis de taurina no sangue como um indicador do envelhecimento biológico, e até mesmo foi proposto que a suplementação de taurina para restaurar níveis mais elevados poderia constituir uma intervenção antienvelhecimento. O grupo coordenado pelo espanhol Rafael de Cabo, um dos líderes mundiais em pesquisa sobre as bases biológicas do envelhecimento, baseou-se em uma riqueza de dados obtidos de estudos longitudinais (aqueles em que amostras são coletadas dos mesmos indivíduos ao longo do tempo) sobre o envelhecimento em camundongos, macacos e humanos. As evidências mostram como os níveis de taurina variam mais entre os indivíduos devido a vários outros fatores do que à idade. Para que uma molécula seja considerada um verdadeiro biomarcador do envelhecimento, seus níveis devem variar principalmente com a idade e não, como os autores demonstram, devido a fatores específicos de cada indivíduo. O trabalho demonstra a importância da realização de estudos longitudinais envolvendo um grande número de indivíduos, em uma ampla faixa etária e em diferentes espécies. Somente dessa forma, resultados consistentes e robustos podem ser alcançados.
Manuel Collado, pesquisador do Laboratório de Envelhecimento Celular da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha