A expressão “sentir um frio na barriga” ou ter uma “intuição visceral” sempre fez parte do nosso vocabulário, mas a ciência moderna está descobrindo que essa conexão é muito mais literal do que imaginávamos. O nosso intestino, longe de ser apenas um órgão digestivo, funciona como um verdadeiro “segundo cérebro”, mantendo uma comunicação direta e constante com o cérebro em nossa cabeça.
Essa via de comunicação de mão dupla, chamada de eixo intestino-cérebro, significa que a saúde do nosso sistema digestivo, especialmente das trilhões de bactérias que vivem nele, tem um impacto profundo no nosso humor, emoções e saúde mental. Cuidar do intestino é, portanto, uma das estratégias mais poderosas e inovadoras para cuidar da mente.
Por que o intestino é considerado nosso “segundo cérebro”?

O intestino possui seu próprio sistema nervoso, o sistema nervoso entérico, que é composto por mais de 100 milhões de neurônios — mais do que na medula espinhal. Essa rede neural é tão complexa que pode operar de forma independente para controlar a digestão, mas está em diálogo constante com o cérebro através do nervo vago, hormônios e outras vias de sinalização.
Essa comunicação bidirecional significa que, assim como o estresse e a ansiedade podem causar desconforto digestivo, um intestino inflamado ou em desequilíbrio também pode enviar sinais de “perigo” para o cérebro, afetando nosso estado emocional e contribuindo para problemas de saúde mental.
Como as bactérias do seu intestino “conversam” com seu cérebro e influenciam seu humor?
As verdadeiras estrelas dessa conversa são os trilhões de micro-organismos que formam a nossa microbiota intestinal. Essas bactérias não são ageiras ivas; elas produzem ativamente uma vasta gama de substâncias químicas, incluindo neurotransmissores e seus precursores, que podem influenciar diretamente a função cerebral.
Essa comunicação acontece de várias formas: através do nervo vago, que funciona como uma “super-rodovia” de informações entre o intestino e o cérebro; pela modulação do sistema imunológico; e pela produção de moléculas que podem atravessar a barreira hematoencefálica e agir diretamente no cérebro, afetando nosso humor, cognição e comportamento.
É verdade que a maior parte da “substância da felicidade” é produzida no intestino?
Sim, é uma das descobertas mais fascinantes dessa área. Cerca de 90% da serotonina do nosso corpo, o famoso neurotransmissor associado à felicidade, ao bem-estar e à regulação do humor, é produzida no intestino, não no cérebro. As células intestinais são as principais fabricantes, e a nossa microbiota intestinal desempenha um papel crucial na regulação dessa produção.
Embora a serotonina produzida no intestino não atravesse diretamente a barreira para o cérebro, ela tem efeitos locais importantes e influencia o nervo vago, que, por sua vez, “conversa” com o cérebro. Um desequilíbrio na microbiota pode afetar a produção de serotonina, impactando indiretamente nosso estado emocional.
O que é a “disbiose” e como o desequilíbrio intestinal pode ser um gatilho para a ansiedade?
A disbiose é o termo técnico para um desequilíbrio na microbiota intestinal, onde há um crescimento excessivo de bactérias “ruins” em detrimento das “boas”. Esse desequilíbrio pode ser causado por uma dieta pobre, estresse crônico, uso de antibióticos e outros fatores do estilo de vida.
Um intestino em disbiose pode se tornar mais permeável (o chamado “leaky gut” ou intestino permeável), permitindo que substâncias inflamatórias e toxinas bacterianas vazem para a corrente sanguínea. Isso pode desencadear uma inflamação de baixo grau em todo o corpo, incluindo no cérebro, um estado que está fortemente associado ao desenvolvimento e à piora de quadros de ansiedade e depressão.
Quais alimentos funcionam como “adubo” e “sementes” para as bactérias boas?
A forma mais eficaz de modular positivamente a microbiota intestinal é através da alimentação. Para isso, precisamos de dois tipos de alimentos: os probióticos, que são as “sementes” de bactérias benéficas, e os prebióticos, que funcionam como o “adubo” que alimenta essas bactérias boas e as ajuda a prosperar.
Incluir uma variedade desses alimentos na dieta é fundamental para cultivar um “jardim” intestinal saudável e diversificado.
Probióticos: as bactérias benéficas
- Iogurte natural e kefir: Produtos lácteos fermentados ricos em lactobacilos e bifidobactérias.
- Kombucha: Bebida fermentada à base de chá.
- Chucrute e kimchi: Repolho e outros vegetais fermentados.
- Picles em conserva (sem pasteurização).
Prebióticos: o alimento das bactérias
- Alho e cebola: Ricos em fibras prebióticas como a inulina.
- Aspargos, alho-poró e banana (especialmente as mais verdes).
- Aveia e outros grãos integrais.
- Leguminosas: Como feijão, lentilha e grão-de-bico.
Além da dieta, quais hábitos fortalecem a conexão positiva entre intestino e cérebro?
A saúde intestinal não depende apenas da dieta. O estresse crônico é um dos maiores inimigos da microbiota, pois o cortisol pode alterar negativamente o ambiente intestinal. Práticas de gerenciamento de estresse, como meditação, respiração consciente e ioga, são benéficas tanto para a mente quanto para o intestino.
A atividade física moderada também demonstrou aumentar a diversidade de bactérias benéficas. Além disso, ter um sono restaurador e evitar o uso desnecessário de antibióticos — que podem dizimar a população da microbiota — são os cruciais para manter a saúde do seu “segundo cérebro” e, consequentemente, da sua saúde mental.